UMA BREVE DECLARAÇÃO DA FÉ REFORMADA - I

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1. Creio que Deus, desde a criação do Seu mundo, tem claramente revelado, através das coisas que Ele tem feito, o Seu eterno poder e Sua natureza divina, e os requisitos de Sua lei, de modo que não há desculpa para a descrença ou a desobediência por parte de qualquer homem; ainda, contudo, que gloriosa, esta revelação não é suficiente para revelar aquele conhecimento de Deus e da Sua vontade que é necessário para a salvação.


2. Creio que o meu único objetivo na vida e na morte deve ser o de glorificar a Deus e gozá-lo para sempre; e que Deus me ensina a glorificá-Lo e gozá-Lo na Sua Palavra inerrante, ou seja, a Bíblia, que Ele deu pela infalível inspiração do Seu Espírito Santo para que eu possa saber com certeza em que devo crer acerca dEle e dos deveres que Ele requer de mim.



3. Creio que todo o conselho de Deus sobre todas as coisas necessárias à sua própria glória, à salvação do homem, à fé e à vida, ou está expressamente declarado nas Escrituras, ou pela boa e necessária conseqüência, pode ser deduzido das Escrituras; sobre a qual, nada, em qualquer tempo, pode ser acrescentado, seja por alegação de novas revelações do Espírito ou pelas tradições dos homens.



4. Creio que Deus autenticou Seus profetas e apóstolos como agentes da revelação por atos poderosos do Seu poder, empregados por Ele como sinais pelos quais todos os homens deveriam confessar, com relação àqueles que são dotados de tal poder, "sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele”; e creio que o grande derramamento de tais milagres, exibidos no ministério de Cristo e de Seus apóstolos, significou a entrada, na história, do prometido reino de Deus, reino que, quando estabelecido em sua plenitude, resultará na miraculosa restauração de toda a criação; e que até aquele momento, Deus está em ação, trazendo homens e mulheres para esse reino através do trabalho sobrenatural da regeneração.



5. Creio que, porque Deus completou Sua revelação em Jesus Cristo, os antigos modos de revelar Sua vontade agora cessaram; e porque o estabelecimento final e manifesto do Seu reino ainda está por vir, Deus optou por não exibir publicamente o Seu poder miraculoso. Creio, contudo, que Deus está sustentando e governando diretamente a Sua criação, momento a momento; que Deus supre fielmente as necessidades do Seu povo através do Seu cuidado providencial constante, e que muitas vezes o abençoa com providências especiais, através das quais reforça a sua fé e exibe ao mundo o Seu amor especial por Seu povo.



6. Creio que Deus é Espírito, infinito, eterno e imutável em Seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade; incomparável em tudo o que Ele é; um Deus, mas três pessoas, o Pai, o Filho e do Espírito Santo, meu Criador, meu Redentor e meu Santificador; em cujo poder, sabedoria, justiça, bondade e verdade posso seguramente colocar a minha confiança.



7. Creio que Deus detém toda a vida, glória, bondade e bem-aventurança, em Si e de Si; e que é totalmente auto-suficiente, não necessitando de mim, ou derivando qualquer glória de mim, mas apenas manifestando Sua própria glória em mim, por mim, para mim e sobre mim em Cristo Jesus; e que Ele tem o mais soberano domínio sobre mim, para fazer através mim, para mim, ou sobre mim tudo o que Lhe agrada.



8. Creio que Deus, por toda a eternidade, pelo mais sábio e santo conselho de Sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece; ainda assim, nem Deus é o autor do pecado, nem a violência é realizada à vontade da criatura; e confiando no decreto de Deus, eu que sou chamado segundo o Seu propósito, posso ter a certeza de que todas as coisas cooperam para o meu bem.



9. Creio que os céus e a terra, e tudo o que neles há, são as obras das mãos de Deus; e que tudo o que Ele fez, Ele dirige e governa em todas as Suas ações, de forma que cumpram o fim para o qual foram criados, e eu que confio nEle, não serei confundido, mas poderei descansar seguramente na proteção do Seu amor todo-poderoso.



10. Creio que Deus criou o homem à Sua própria imagem, em conhecimento, retidão e santidade, e que todos os homens devem ações de graças e adoração ao seu Criador; contudo, Deus condescendeu fazendo um pacto com o homem para que os homens pudessem conhecer a Deus, não apenas como Criador, mas como a sua bem-aventurança e recompensa. E creio que, embora a exigência deste pacto, com origem em Adão, fosse a obediência, agradou a Deus, conforme o Seu sábio e santo conselho, permitir que o homem desobedecesse, tendo proposto ordená-lo para a Sua própria glória; de modo que foi por voluntariamente pecar contra Deus que eu, em Adão, perdi as retribuições de um cumpridor do pacto, e sofro as maldições devidas a um transgressor do pacto. Portanto minha única esperança de salvação está no fato de que Cristo, o segundo Adão, cumpriu o pacto, garantindo as suas recompensas para os eleitos, entre os quais, pela graça, estou incluído.



11. Creio que, tendo caído em Adão, meu primeiro pai, sou por natureza um filho da ira, sob a condenação de Deus e corrompido no corpo e na alma, propenso ao mal e sujeito à morte eterna; estado terrível do qual não posso me livrar, mas salvo mediante a graça imerecida de Deus, meu Salvador.



12. Creio que Deus não deixou o mundo perecer em seu pecado, mas a partir do grande amor com que Ele nos amou, graciosamente escolheu para Si, desde toda a eternidade, uma multidão que nenhum homem pode numerar, para livrá-la de seus pecados e miséria, e deles reconstruir no mundo o Seu reino de justiça; reino no qual eu posso ter a certeza de que tenho a minha parte, se me mantiver apegado a Cristo, o Senhor.




UMA BREVE DECLARAÇÃO DA FÉ REFORMADA - II

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13. Creio que Deus redimiu o Seu povo para Si mesmo através de Jesus Cristo, nosso Senhor; que, embora Ele fosse, e continue a ser sempre o eterno Filho de Deus, mesmo assim nasceu de uma mulher, nascido sob a lei, a fim de que pudesse redimir aqueles que estão sob a lei; creio que Ele suportou a penalidade dos meus pecados em Seu próprio corpo sobre o madeiro, e cumpriu em Sua própria pessoa a obediência que devo à justiça de Deus, e que agora me apresenta ao Seu Pai como Sua propriedade comprada para o louvor da glória da Sua graça para sempre; portanto, renunciando a todo o mérito de mim mesmo, coloco toda a minha confiança apenas no sangue e na justiça de Jesus Cristo, meu Redentor. 

14. Creio que Jesus Cristo, meu redentor, que morreu por minhas ofensas, foi ressurreto para a minha justificação, e subiu aos céus, onde Ele Se assenta à direita do Pai Todo-Poderoso, intercedendo continuamente por Seu povo e governando o mundo inteiro como cabeça sobre todas as coisas para a Sua Igreja; de modo que não preciso temer nenhum mal e posso saber, com certeza, de que nada pode me arrebatar das Suas mãos e nada pode me separar do Seu amor. 

15. Creio que a redenção realizada pelo Senhor Jesus Cristo é eficazmente aplicada a todo o Seu povo pelo Espírito Santo, que opera a fé em mim e assim me une a Cristo, me renova em um homem completo conformado à imagem de Deus, e me permite morrer mais e mais para o pecado e viver para a justiça; até que Sua obra graciosa seja concluída em mim, e serei recebido na glória; na qual permanecendo a grande esperança, devo me empenhar sempre para aperfeiçoar a santidade no temor de Deus. 

16. Creio que Deus exige de mim primeiramente, sob o evangelho, que a partir de uma verdadeira percepção do meu pecado e miséria, e apreensão de Sua misericórdia em Cristo, deva me desviar do pecado com tristeza e aversão, e receber e descansar somente em Jesus Cristo para a salvação; para que, assim unido a Ele, possa receber o perdão de meus pecados e ser aceito como justo aos olhos de Deus, apenas pela justiça de Cristo imputada a mim, e recebida pela fé somente; assim, e somente assim, creio poder ser recebido na multidão e ter o direito a todos os privilégios dos filhos de Deus. 

17. Creio que, tendo sido perdoado e aceito por causa de Cristo, é, além disso, exigido de mim que eu ande no Espírito a quem Ele enviou a mim, e por quem o amor é derramado em meu coração, executando a obediência que devo a Cristo meu Rei; realizando fielmente todos os deveres estabelecidos sobre mim pela santa lei de Deus, meu Pai celeste; e sempre refletindo em minha vida e conduta o exemplo perfeito que me foi definido por Cristo Jesus, meu líder, que morreu por mim e me concedeu o Seu Espírito Santo para que eu possa fazer as boas obras que Deus, de antemão, preparou para que andássemos nelas. 

18. Creio que Deus estabeleceu a Sua Igreja no mundo, uma e a mesma em todas as eras e, agora, sob o Evangelho, dotou-a com o ministério da Palavra e as santas ordenanças do Batismo, da Ceia do Senhor e a oração; para que através destes meios, as riquezas da Sua graça no evangelho sejam conhecidas do mundo, e pela bênção de Cristo e pelo trabalho do Seu Espírito naqueles que pela fé os recebem, os benefícios da redenção possam ser comunicados ao Seu povo; portanto também é exigido de mim que me ocupe desses meios da graça com diligência, preparação e oração, para que através deles eu possa ser instruído e fortalecido na fé e na santidade de vida e no amor; e que eu me utilize dos melhores esforços para levar o evangelho e transmitir esses meios da graça ao mundo inteiro. 

19. Creio que a Igreja visível é constituída por todos aqueles que estão unidos a Cristo, o Cabeça da Igreja, pela sua profissão de fé, juntamente com seus filhos e que a unidade visível do corpo de Cristo, embora obscurecida, não é destruída por sua divisão em diferentes denominações cristãs. Portanto, creio que todos esses que mantêm a Palavra e os Sacramentos em sua integridade fundamentais devem ser reconhecidos como verdadeiros ramos da Igreja de Jesus Cristo. 

20. Creio que somente Deus é Senhor da consciência e a deixou livre das doutrinas e mandamentos de homens que sejam de qualquer forma contrários à Sua Palavra, ou além dela em questões de fé ou adoração. Creio, portanto, que os direitos do julgamento privado em todos os assuntos concernentes à religião são universais e inalienáveis e que nenhuma constituição religiosa deve ser sustentada pelo poder civil, além do que pode ser necessário para a proteção e segurança iguais e comuns a todas as outras. 

21. Creio que a Igreja é ministro espiritual de Deus para os propósitos da redenção e que o Estado é ministro providencial de Deus para os propósitos da ordem secular. O poder da Igreja é exclusivamente espiritual; que o poder do Estado inclua o exercício da força. A constituição da Igreja deriva exclusivamente da revelação divina, a Constituição do Estado deve ser determinada pela razão humana e o curso dos acontecimentos providenciais. Creio, portanto, que a Igreja não tem o direito de construir ou modificar um governo para o Estado, e o Estado não tem o direito de formatar um credo ou regime para a Igreja. 

22. Creio que os discípulos de Jesus Cristo são chamados para ser Suas testemunhas no mundo, proclamando a justiça e a misericórdia de Deus a todos os homens, e tornando evidente seu governo sábio e justo sobre cada aspecto da cultura humana. Por isso, é minha obrigação examinar as Escrituras com todas as habilidades com que Deus me dotou, e procurar, dentro dos limites da minha vocação, aplicar a minha compreensão da Sua Palavra a toda a ordem criada, e a todas as elaborações da Sua mais sábia providência. E creio que é meu privilégio e dever perseguir uma vocação neste mundo que empregue os meus dons para a glória de Deus, e para o bem da minha família, minha congregação, a minha comunidade, e, conforme a oportunidade trazida por Deus, a qualquer que esteja em necessidade. 

23. Creio que, como Jesus Cristo veio uma vez em graça, assim também Ele virá uma segunda vez em glória, para julgar o mundo com justiça e atribuir a cada um a sua recompensa eterna; os ímpios terão a terrível, mas justa sentença de condenação pronunciada contra eles, onde as suas consciências estarão inteiramente de acordo, e eles serão lançados no inferno, para serem punidos com tormentos indizíveis, tanto no corpo quanto na alma, com o diabo e seus anjos para sempre. Os justos em Cristo serão arrebatados com Cristo e abertamente reconhecido e absolvido; serão recebidos no céu, onde serão totalmente e para sempre libertos de todo o pecado e miséria, cheios de alegria inconcebível, tornados perfeitamente santos e felizes em corpo e alma, na grande companhia de todos os santos de Deus e dos santos anjos, mas, especialmente, na presença imediata de Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo, para toda a eternidade. 

24. Creio que se eu morrer em Cristo, a minha alma será, na morte, aperfeiçoada em santidade e irá para casa, para o Senhor, e quando Ele retornar em sua majestade, serei ressuscitado em glória e perfeitamente bendito no pleno gozo de Deus para toda a eternidade; encorajado por essa abençoada esperança, é exigido de mim que voluntariamente tome parte nas sofridas dificuldades aqui como um bom soldado de Cristo Jesus, estando certo de que, se eu morrer com Ele, também com Ele viverei, se eu sofrer, eu também reinarei com Ele. 

E a Ele, meu Redentor, com o Pai, e o Espírito Santo, três pessoas, um Deus, seja a glória para sempre, mundo sem fim, Amém e Amém! 




Benjamin Breckinridge Warfield (1851-1921)

A REFORMA E MISSÕES - RONALDO LIDÓRIO

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A PRESENÇA DA IGREJA COMO AGENTE 
DE EXPANSÃO DA PALAVRA PREGADA


A Reforma Protestante desencadeada com as 95 teses de Lutero divulgadas em 31 de outubro de 1517 foi sobretudo eclesiástica em um momento em que todos os olhares se voltavam para a reestruturação daquilo que a Igreja cria e vivia. Renasceram assim os dogmas evangélicos:
Sola Scriptura defendia uma Igreja centrada nas Escrituras, Palavra de Deus;
Sola Gratia reconhecia a salvação e vida cristã fundamentadas na Graça do Senhor e não nas obras humanas;
Sola Fide evocava a fé e o compromisso de fidelidade com o Senhor Jesus;
Solus Christus anunciava que o próprio Cristo estava construindo Sua Igreja na terra sendo seu único Senhor e
Soli Deo Gloria enfatizava que a finalidade maior da Igreja era glorificar a Deus. 
A Missão da Igreja, sua Vox Clamantis, não fez parte dos temas defendidos e pregados na Reforma Protestante de forma direta. Isto por um motivo óbvio: os reformadores como Lutero, Calvino e Zuínglio possuíam em suas mãos o grande desafio de reconduzir a Igreja à Palavra de Deus e assim todos os escritos foram revestidos por uma forte convicção eclesiológica e sem uma preocupação imediata com a missiologia. Isto não dilui, entretanto, a profunda ligação entre a reforma e a obra missionária por alguns motivos: 

a) A Reforma levou a Igreja a crer que o curso de sua vida e razão de existir deveriam ser conduzidos pela Palavra de Deus (submetendo o próprio sacerdócio a este crivo bíblico) e foi justamente esta ênfase escriturística que despertou Lutero para a tradução da Palavra na língua do povo e inspirou posteriormente centenas de traduções populares em diversos idiomas fomentando posteriormente movimentos como a Wycliffe Bible Translators com a visão da tradução das Escrituras para todas as línguas entre todos os povos da terra. Hoje contamos com a Palavra do Senhor traduzida para 2.212 línguas vivas. João Calvino enfatizava que “... onde quer que vejamos a Palavra de Deus pregada e ouvida em toda a sua pureza... não há dúvida de que existe uma Igreja de Deus ”. O grande esforço missionário para a tradução bíblica resulta diretamente dos ensinos reformados.

b) A Reforma reavivou o culto onde todos os salvos, e não apenas o sacerdote, louvavam e buscavam a Deus. E Lutero em uma de suas primeiras atitudes colocou em linguagem comum os hinos entoados nos cultos. Esta convicção de que é possível ao homem comum louvar a Deus incorporou na Igreja pós reforma o pensamento multiétnico onde “o desejo de levar o culto a todos os homens” como disse Zuínglio não demorou a ressoar na Igreja culminando com o envio de missionários para o Ceilão pela Igreja Reformada holandesa no século XVII que disparou um progressivo envio missionário e expansão da fé Cristã nos séculos que viriam. Um culto vivo ao Deus vivo foi um dos pressupostos reformados que induziu a obra missionária a levar este culto a todos os homens transpondo barreiras linguísticas, culturais e geográficas.

c) A Reforma trouxe a Glória de Deus como motivo de vida da Igreja e isto definiu o curso de todo o movimento missionário pós reforma onde o estandarte de Cristo, e não da Igreja, era levado com a Palavra proclamada entre outros povos. 

Os morávios já testificavam isto quando o conde Zinzendorf, ao ser questionado sobre seu real motivo para tão expressivo e sacrificial movimento missionário, responde: “estou indo buscar para o Cordeiro o galardão do Seu sacrifício”. John Knox na segunda metade do século XVI escreveu que a Genebra de Calvino era “a mais perfeita escola de Cristo que jamais houve na terra desde a época dos apóstolos ”. 

O centro das atenções, portanto, era Cristo e nascia ali um modelo cristocêntrico de pregação do evangelho que marcaria o curso da história missionária nos séculos posteriores.Mas sobretudo a Reforma Protestante passou a Igreja pelo crivo da Palavra e isto revelou-nos a nossa identidade bíblica, segundo o coração de Deus. Seguindo o esboço desta eclesiologia reformada poderemos concluir que somos uma comunidade chamada e salva pelo Senhor com uma finalidade na terra. 

Zuínglio, logo após manifestar sua intenção de passar a pregar apenas sermões expositivos em janeiro de 1519 afirmou em sua primeira prédica que “a salvação põe sobre nós a responsabilidade de obediência ”.Seguindo esta ênfase eclesiológica sob cunho escriturístico vemos que Ekklesia, Igreja, é um termo composto que pode ser dividido em "Ek" (para fora de) e "Klesia", que vem de "Kaleo” (chamar). Etimologicamente pode, portanto, ser entendida como "chamada para fora de" o que a principio nos dá uma idéia mais real desta comunidade dos santos que entra em um templo mas precisa postar seus olhos além muros. 

Obviamente o termo também está ligado a "agrupamento de indivíduos" e de certa forma a "instituição" porém em todo o N.T. adquire o conceito de "comunidade dos santos" e fora MT. 16:18 e 18:17 está ausente dos evangelhos aparecendo, porém, 23 vezes em Atos e mais de 100 vezes em todo o Novo Testamento. Gostaria que déssemos atenção neste momento a alguns conceitos neotestamentários e reformados para esta comunidade dos filhos de Deus que foram demoradamente estudados pelos reformadores e impulsiona a Igreja hoje para uma obra missionária baseada na Sola Scriptura e para a glória de Deus.

1. Igreja de Deus

Comumente encontramos no N.T. a expressão "Igreja de Deus” ("Ekklesia tou Theou") o que evidencia que esta Igreja veio de Deus e pertence a Deus. É uma comunidade que possui Deus como fonte; é eterna, espiritual e universal. Não provém de elucidação humana ou de uma obsessão nutrida por um grupo de loucos há 20 séculos, antes foi articulada por Deus, formada por Deus, é pertencente a Deus e permanece ligada a Deus. Independente das deturpações da fé, das ramificações que se liberalizaram, dos que se perderam pelo caminho, a Igreja permanece, pois é posse de Deus.Desta forma a “Ekklesia tou Theou” necessita caminhar de acordo com o palpitar do coração de Deus, a quem pertence, traduzindo para sua vida os desejos profundos deste coração. É baseados nesta verdade que necessitamos renovar nosso compromisso com a eclesiologia bíblica – um grupo de santos chamado por Deus para a inusitada tarefa de transtornarem o mundo com o evangelho de Cristo.

2. Igreja local

Também no N.T. encontramos o conceito de "igreja local". Em 1o Co 1:12 vemos, por exemplo, a expressão "Igreja de Deus que está em Corinto", onde "que está" (“te ouse”) indica a localidade da igreja. Mostra-nos que os santos de Corinto pertencem à Igreja, e não que a Igreja pertence à Corinto, o que deve ficar bem claro. Nos últimos 2.000 anos a Igreja adquiriu uma forte tendência de se "localizar" condicionando-se tão fortemente a uma cidade ou bairro a ponto de alguns chegarem a defender uma "demarcação" geográfica da responsabilidade da Igreja impedindo trabalhos fora da sua "jurisdição".Num conceito neotestamentário "Igreja" é uma comunidade sem fronteiras e, portanto, creio que há necessidade de sacramentalizarmos mais os santos e menos os templos. Missões não é um programa eclesiástico, é a respiração da Igreja. Lembro que na tribo Konkomba no oeste africano há uma expressão que diz: “respiração é vida – não é preciso pensar para respirar; não é preciso pensar para viver”. 

3. Igreja humana

Também dentro do conceito de "Igreja" nos deparamos no N.T. com um perfil bastante humano. Em 1 Ts 1:1 por exemplo vemos "igreja de Tessalônica" ("ekklesia Thesalonikeon") dando-nos a idéia daqueles que são Igreja também sendo Tessalônicos, cidadãos de Tessalônica. Mostra-nos o fato de que por serem "Igreja" não significa que deixam de ser cidadãos, patriotas, carpinteiros, lavradores, comerciantes, desportistas, pais, mães ou filhos. "Igreja" no N.T. não é apresentada como uma comunidade alienante, mas como uma comunidade que abrange o homem em seu contexto humano fazendo-nos entender que esta Igreja não foi separada do mundo e sim purificada dentro dele. Mostra-nos também que na obra missionária não há super homens mas sim gente como a gente tendo o privilégio de espalhar o Evangelho de Cristo além fronteiras.No livro de Atos a humanidade passo a passo era chocada com a fé daqueles que "transtornavam o mundo", onde o viver é Cristo, o objetivo era ganhar almas, a alegria era a adoração, o que os unia era a verdadeira comunhão, o amor era traduzido em ações, os fortes guiavam os fracos, as dificuldades eram enfrentadas com oração, a paz enchia os corações e todos, mesmo sem muita estrutura humana, possuíam como finalidade de vida apenas testemunhar do seu Mestre. Era uma Igreja visionária formada por gente limitada como nós. Entretanto quando olhamos para esta Ekklesia do Senhor Jesus no contexto embrionário do Novo Testamento a pergunta que salta aos olhos é: qual deve ser a principal motivação dos santos para o envolvimento com a obra missionária mundial fazendo Cristo conhecido entre todos os povos da terra ? 

Nesta expectativa olhamos para Paulo o qual, como missiólogo, expôs aos Romanos a nossa real motivação bíblica e reformada.Para isto é preciso reler Romanos 16:25-27 quando o apóstolo, encerrando esta carta de grande profundidade missiológica, diz:

"Ora, àquele que é poderoso paravos confirmar segundo o meu evangelho"
(fala de Deus)

"conforme a revelação do mistério"
(o mistério é o Messias prometido a todos os povos)

"e foi dado a conhecer por meio das Escrituras Proféticas"
(este é o meio de Revelação)

"segundo o mandamento do Deus eterno"
(este é o meio de Eleição)

"para a obediência por fé"
(este é o meio de Salvação)

"entre todas as nações "
(Isto é Missões – a extensão do plano salvífico de Deus)

Mas qual o motivo para este plano divino que visa a redenção de todos os povos? Ele responde no verso 27: "Ao Deus único e sábio seja dada glória ...” É a glória de Deus. Este é o maior e mais importante motivo para nos envolvermos com o propósito de fazer Jesus conhecido até a última fronteira do país mais distante, ou da criança caída na esquina da nossa rua.

Martinho Lutero, em um sermão expositivo em 1513 baseado no Salmo 91 afirmou que “a glória de Deus precede a glória da Igreja”. É momento de renovar nosso compromisso com as Escrituras, reconhecer que existimos como Igreja pela graça de Deus, orar ardentemente por fidelidade de vidas e entender que o próprio Jesus está construindo a Sua Igreja na terra. E quando colocarmos as mãos no arado, sem olhar para trás, nos lembremos: a razão da nossa existência é a glória do Deus. Pois Deus é maior do que nós.

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